Ergonomia e UX Research

Depois de uma licenciatura em Psicologia, um mestrado em Ergonomia, alguma experiência profissional na área da saúde ocupacional e depois uma bifurcação na área da experiência do utilizador, ofereço-lhe um artigo que lhe permite ver mais claramente sobre Ergonomia e a ligação com UX -Pesquisa.

Durante essa famosa “bifurcação”, tive a oportunidade de conhecer vários profissionais que estavam muito céticos quanto à ideia de passar da área da saúde para a área de UX.
Convencido naquele momento de uma certa lógica em minha carreira, hoje tenho como arma adicional à teoria minha experiência para confirmá-la.

# Ergonomia: um pequeno ponto histórico

O termo “Ergonomia” foi cunhado em 1857 por W. Jastrzębowski que assim nomeou a “ciência do trabalho”. Inicialmente muito centrada na componente fisiológica do Homem, a definição de ergonomia evoluiu seguindo os passos da de saúde (alargando-se a outras dimensões que não a física). Assim, em 1949, a palavra foi reaproveitada e utilizada em um sentido muito mais próximo ao de hoje. Uma das primeiras definições falava de “a adaptação da máquina ao Homem” (Faverge, Leplat e Guiguet em 1958). 

Então, com o tempo, a noção evolui, os conceitos tornam-se mais claros (tarefas, atividades, etc.), os métodos de análise surgem, e os campos de estudo e aplicação se estendem (condições de trabalho, vida cotidiana, situação deficiência, organização, etc.) . 

Além disso, 2 correntes da ergonomia se destacaram: a corrente do Fator Humano, anglo-saxônica, e a corrente da atividade, dos países francófonos. A primeira, bastante normativa, baseia-se no uso de conhecimentos cientificamente aceitos e padrões estabelecidos (por exemplo, o desenho de uma cadeira levando em consideração a altura média de um homem, o comprimento médio de seus membros etc.). A segunda considera a atividade real, sem generalizações, levando em conta a diversidade e variabilidade de pessoas e situações. 

Finalmente, onde quer que haja atividade humana, o ergonomista tem material para intervir. 

#1. Conceitos básicos de ergonomia

Em 2000, a IEA (International Ergonomics Association) propôs como definição de ergonomia “a disciplina científica que visa a compreensão fundamental das interações entre humanos e outros componentes de um sistema, e a profissão que aplica princípios teóricos, dados e métodos com o objetivo de otimizar o bem-estar das pessoas e o desempenho geral dos sistemas – Praticantes de ergonomia, ergonomistas contribuem para o planejamento, projeto e avaliação de tarefas, empregos, produtos, organizações, ambientes e sistemas com vistas a compatibilizá-los com as necessidades, capacidades e limitações das pessoas.”

O que deve ser lembrado é que o papel do ergonomista, onde quer que ele intervenha, é entender para transformar. A ergonomia é, portanto, uma disciplina de ação: não se trata apenas de buscar ou pesquisar, mas de agir, otimizar, modificar, melhorar.

O que o ergonomista deve entender? 

O ergonomista deve compreender a atividade, seus determinantes e suas consequências. 

A atividade aqui é entendida em sentido amplo. Para defini-la, devemos primeiro falar sobre a tarefa: a tarefa é o que é definido de antemão, uma espécie de guia para a ação. Atividade é a mobilização do Homem para responder a esta tarefa numa dada situação. Pode ser físico, mas também cognitivo, social e psíquico.

Por exemplo, se a tarefa for “Comprar uma maçã”, a atividade será tanto pegar uma maçã quanto escolher uma maçã suficientemente madura, cuja variedade seja conhecida ou mesmo a conselho do verdureiro. 

A atividade é sustentada por um conjunto de fatores inerentes à pessoa que a realiza (por exemplo os seus gostos culinários) mas também por fatores externos (localização do produto na loja). 

A própria atividade terá impactos, positivos ou negativos, no Homem (por exemplo, satisfação por ter alcançado o objetivo) e na situação (se ele pegou a última maçã, não sobrou nenhuma). 

Uma análise bastante completa deve, portanto, ser realizada para entender tudo isso. Mas para que serve? 

O ergonomista tem como objetivo transformar o ambiente humano para torná-lo mais adaptado a ele. Por ambiente entendemos aqui tudo o que envolve o Homem, tangível ou não, desde o posto de trabalho a uma organização, aos estímulos auditivos, ou mesmo às interfaces digitais. É sobre todos esses elementos que atuamos para garantir que o Homem seja o mais confortável em seu ambiente. 

Considerando diferentes ambientes, hoje distinguimos 3 tipos de ergonomia

  • A ergonomia física visa adaptar o ambiente físico às características fisiológicas e morfológicas do ser humano. 
  • A ergonomia cognitiva visa adaptar o ambiente às características e funcionamento cognitivo do ser humano (memória, concentração, etc.)
  • A ergonomia das organizações visando adequar o ambiente organizacional ao ser humano (horário de trabalho, regras, processos, etc.)

#2 Uma evolução para o surgimento do UX

UX-Research é uma parte da ergonomia cognitiva, que se concentra nos seres humanos como usuários em sua interação com o ambiente. Aqui vamos nos concentrar particularmente no ambiente digital. A informatização do trabalho das décadas de 1970 e 1980 contribuiu em grande parte para o desenvolvimento da ergonomia cognitiva. De fato, o surgimento das tecnologias digitais modificou consideravelmente as atividades pessoais e profissionais. As interações com os sistemas computacionais se desenvolveram, aumentando a atividade cognitiva em detrimento da atividade física. Paralelamente, foi implantada a ergonomia física, permitindo o desenvolvimento de sistemas de auxílio/alívio para atividade física (robôs para manuseio de auxiliares, por exemplo). 

A priori, pode-se pensar que, com o tempo, os ambientes tendem a ser menos dolorosos para os humanos... Errado?  

#3 Do esforço físico à sobrecarga cognitiva

A ergonomia das condições de trabalho visa proporcionar ao trabalhador por meio do ambiente de trabalho conforto, para preservar sua saúde e permitir que seja eficaz. A experiência do usuário visa garantir a este último, o usuário, usabilidade ideal, ou seja: eficácia, eficiência, satisfação… Estamos em noções bastante próximas, não estamos? 

Para o ser humano, não atingir os objetivos mencionados acima (conforto, saúde, eficiência, usabilidade, etc.) significa sofrer uma forma de sofrimento. Esta pode ser, como a atividade, de vários tipos: física, cognitiva, emocional, psicológica. Assim como falamos de trabalho árduo durante uma solicitação excessiva da atividade física do Homem (carregar cargas pesadas e/ou repetidas, por exemplo), é aconselhável ampliar este termo para considerar também a solicitação excessiva da atividade cognitiva humana (memorização de um grande quantidade de informações, por exemplo). Falaremos então mais de sobrecarga do que de dificuldade. 

Além disso, apesar dos progressos mencionados, as dificuldades físicas continuam a ser uma preocupação para muitos, em particular para os trabalhadores qualificados e não qualificados e para os trabalhadores não qualificados, que representam mais de um terço da população activa em França. Você ficaria surpreso ao ver quantas ferramentas disponíveis para os trabalhadores/empregados, destinadas a limitar suas dificuldades físicas, não são usadas. Por quê ? Uma intervenção de um ergonomista permite fazer um diagnóstico, num determinado contexto, que difere de uma situação/empresa para outra. No entanto, podemos estabelecer a priori a observação de uma inadequação tanto dos recursos externos (tempo imposto para realizar a tarefa) quanto internos (conhecimentos, habilidades, características físicas, etc.) da pessoa. Também acontece que não é usado porque o operador acredita que não é necessário.

Embora o assunto aqui não seja comparar esforço físico com sobrecarga cognitiva, um exemplo parece bastante apropriado para ilustrar a analogia entre esses dois conceitos. Um site, como um software, só será utilizado se estiver de acordo com o que o usuário possui e suas necessidades. Por exemplo :

  • um site que leva vários minutos (ou até segundos) para carregar uma página não será adequado para o tempo que o usuário deseja dedicar a ele
  • um aplicativo cujo manuseio requer habilidades avançadas em um domínio (por exemplo, um vocabulário específico) será inadequado para o conhecimento de determinados usuários 
  • Uma página da Web acessível apenas em dispositivos móveis será inadequada para uso em um computador e, portanto, inutilizável por pessoas que não possuem um smartphone
  • ...

Assim, uma sobrecarga O sentimento cognitivo em um site pode levar a uma alta taxa de rejeição, uma baixa taxa de conversão...  

Finalmente, dada a gama de situações que poderiam ser otimizadas para serem mais centradas no ser humano, os ergonomistas têm seu lugar hoje mais do que nunca no mundo do trabalho! 

Trata-se então de uma questão de terminologia quanto ao profissional que intervém em uma ou outra situação. Uma pessoa que analisa a atividade do usuário para otimizar interfaces digitais será um UX-Researcher, uma pessoa que analisa a atividade de funcionários ou pessoas de forma mais geral para otimizar um ambiente de trabalho físico ou organizacional será um ergonomista... simples assim (ou não) … 🙂 

#4 Ergonomista e/ou Pesquisador de UX? 

Então, por que usar terminologias diferentes? A resposta ainda não está totalmente clara, e várias hipóteses podem ser feitas:

  • Falta de conhecimento sobre o assunto. Ainda existem (demasiadas) dúvidas sobre esta profissão, como evidenciam as ofertas de emprego. Com o tempo, a evangelização da UX-Research deu certo e vemos cada vez mais pesquisas por perfis de UX-Researcher aparecendo. No entanto, há alguns anos, se a pesquisa de usuários era reconhecida como um valor agregado, era muito raro encontrar empresas que desejassem recrutar esse tipo de perfil. Estávamos procurando mais por UX (designer-pesquisador), UX-UI… 
  • Falta de delineamento de habilidades associadas ao UX-Researcher e UX-Designer. A UX-Research fazendo referência explícita à experiência do usuário implica a priori uma noção de prazer que é mais importante do que a ergonomia “pura”. Na ergonomia, focamos no conforto, simplicidade, facilidade... Enquanto uma boa experiência do usuário envolve também um aspecto emocional: o objetivo é que o usuário aprecie a interface com a qual ele interage, que ele goste. Mas não é a noção de prazer que os designers de UX e UI (e não os UX-Researchers) devem garantir? Esta questão é ainda mais complexa porque, ao melhorar a ergonomia de um local, torna-se mais apreciável. Além disso, o UX-Researcher às vezes é solicitado a modelar protótipos, uma habilidade que se enquadra no perfil do UX-Designer... 
  • A inexistência de formação com este nome (licenciatura ou mestrado em UX-Research). O treinamento especializado em UX-Research é fornecido em plataformas online do tipo MOOC, ou em agências especializadas em experiência do usuário (encontre nosso treinamento aqui: https://www.ux-republic.com/toutes-nos-formations/). Existem também cursos de formação mais longos (Master, DU, etc.) que lhe permitem especializar-se em UX-Research; mas eles não levam explicitamente o nome. O mestrado em ergonomia é uma das portas de entrada.
  • O uso do termo “ergonomia” no campo da computação para designar aspectos normativos e convencionais (que se junta à corrente anglo-saxônica). Deste ponto de vista, a análise da atividade do usuário, ou seja, a aplicação da ergonomia francófona, não é considerada ergonomia. É provavelmente neste ponto que as diferenças de opinião se consolidam: no digital, a ergonomia de um site é considerada através de critérios que podem ser generalizados de um site para outro, enquanto as pessoas que praticam a chamada ergonomia francófona considerarão a ergonomia de um site no que diz respeito à sua interação com os usuários. 
  • ... 

Há provavelmente outras explicações potenciais também. Ainda assim, esses mal-entendidos e questionamentos demonstram a necessidade dessa disciplina se tornar mais conhecida e se consolidar.

#5 Métodos que se unem 

Então, se a pesquisa do usuário e a ergonomia estão tão próximas, o que dizer dos métodos aplicados? Sendo a ergonomia um campo muito amplo, a formação ministrada em ergonomia proporciona conhecimentos e competências mais ou menos precisos sobre a experiência do utilizador. Como em qualquer trabalho, há muitas coisas para aprender como iniciante, incluindo vocabulário, conhecimento mais aprofundado e, às vezes, treinamento no uso de ferramentas, software ou até métodos próprios. O objetivo é sempre o mesmo: analisar a atividade para compreendê-la e propor otimizações relevantes do ambiente. Pessoalmente, a minha formação em ergonomia permitiu-me dominar diferentes métodos que simplesmente tiveram de ser transpostos para o contexto ao chegar ao campo do digital e do design: 

  • eu estava percebendo entrevistas enquanto em UX falamos mais deentrevistas
  • eu estava falando sobreobservação quanto ao termo sombreamento é empregado pelos meus colegas de UX
  • Já havia praticado técnicas deobservaçãode verbalização simultânea eentrevista semiestruturada, e aprendi a combiná-los para testes de usuário moderados 
  • ... 

Dentre os métodos mais conhecidos e aplicados em UX-Research, a auditoria especializada é o mais específico para o campo da experiência do usuário. Os critérios Bastien e Scapin, reconhecidos por realizar esse tipo de análise, permitem uma boa apropriação do tema da experiência do usuário no que diz respeito às interfaces. No entanto, os usuários não são envolvidos quando uma auditoria é realizada: este é o ponto de vista do especialista em relação às normas, mas a própria atividade do usuário não é questionada em uma situação real. Esse tipo de auditoria também é às vezes chamado de auditoria “ergonômica”, o que pode ser considerado um abuso de linguagem se nos atermos à definição de ergonomia francófona. De fato, é um pouco como realizar uma intervenção ergonômica para reconstruir um posto de trabalho, sem o operador: os elementos podem ser ajustados ali graças a conhecimentos que podem ser aplicados em qualquer situação (por exemplo, medir o brilho ou o som ...), mas muitos elementos só podem ser realmente otimizados no que diz respeito à análise do operador e suas interações neste ambiente. Uma análise sem a sua presença permitirá então desenvolver hipóteses que terão de ser confrontadas no terreno: é precisamente este princípio que se aplica através da realização de uma auditoria ergonómica que, numa abordagem exaustiva, deve ser seguida. métodos de análise da realidade (observação, testes com usuários, etc.).

Chegando no campo da experiência do usuário, meus conhecimentos e habilidades adquiridos poderiam, portanto, ser facilmente remodelados para serem mais adaptados ao ambiente, aqui digital, dos usuários. No entanto, não me senti pousado em um terreno completamente desconhecido. Rapidamente encontramos nossos rumos, nos adaptamos e rapidamente nos dobramos em um novo ambiente. 

Por fim, formado em ergonomia, o UX-Research é desmistificado com relativa rapidez, uma vez adquiridas as noções de design.   

# Conclusão 

O debate permanece aberto quanto às diferenças entre ergonomia e UX-Research. Muitos preconceitos merecem ser destacados para avançar na consolidação desta(s) disciplina(s?). 

Lembremos que em busca de cada vez mais progresso no mundo atual, ergonomistas e UX-Researchers são os aliados das pessoas para possibilitar a adaptação deste mundo em mudança às suas necessidades e limites. 

 

 

Florine AUFFRAIT, Pesquisadora UX @UX-Republic


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