CALENDÁRIO UX – 19 DE DEZEMBRO – A contribuição do UX Design para o setor cultural

Pátio Napoleão do museu do Louvre à noite, com a pirâmide de Ieoh Ming Pei no meio.

 

Se o UX Design é hoje uma atividade bem integrada nas empresas, ainda não o é em instituições culturais como museus, bibliotecas, teatros ou salas de espectáculos. Este artigo se propõe, como um manifesto, mostrar todo o interesse do UX e de forma mais geral da metodologia do Design Thinking, no design e aprimoramento das interfaces digitais utilizadas por essas instituições.

Depois de relembrar o contexto em que se insere o setor cultural dentro do UX Design e depois de ter especificado as ligações que existem entre o UX Design e a noção de mediação cultural, veremos porque é que o encontro entre estes dois mundos pode ser difícil. Então terminaremos vendo como a metodologia do Design Thinking pode ser utilizada concretamente no contexto do museu.

SETORES DE UX

O design UX e, de forma mais geral, o Design Thinking são áreas de atividade recentes: não foi até a década de 2010 que essas abordagens se popularizaram em todo o mundo e principalmente na França com a tradução do livro do famoso designer Tim Brown, O espírito do desenho. Como o design thinking transforma negócios e inspira inovação. 

 

 

Mas o nível de maturidade em UX ainda hoje é muito variável de uma empresa para outra. Além disso, ainda há muito a fazer para convencer as empresas da necessidade de trabalhar com designers e provar o real valor agregado dos métodos de UX na análise, design e avaliação da experiência do usuário de interfaces digitais.

Isto é ainda mais verdade em certos setores de atividade: se os mundos da banca, da indústria, do luxo ou mesmo dos transportes integraram largamente os processos de design no seu ecossistema, este não é o caso de certos setores como a cultura, a arte e herança.

De fato, ao contrário das empresas tradicionais, as instituições culturais na França, como museus, bibliotecas ou salas de espetáculos, raramente recorrem a empresas de consultoria para melhorar a experiência do usuário de seus serviços digitais. O recrutamento interno de designers parece, por seu lado, quase inexistente. 

Os museus de ciência, no entanto, parecem ser uma exceção de acordo com Alexia Jacques Casanova : para ela, "isso certamente está ligado à semelhança entre a abordagem científica e a abordagem do design, ambas dando lugar privilegiado à experimentação e ao direito ao erro - duas posturas talvez menos incentivadas nos espaços da cultura artística.

Podemos ainda citar os raros trabalhos de atores culturais ou designers que utilizam os métodos de UX Design no contexto de projetos culturais: o livro de memórias de Fanny Mercadal em 2018 sobre a contribuição do UX para a transformação da relação visitante/museu, a tese de Ronan Le Guern em 2019 na reformulação do site da fábrica 104, ou ainda no trabalho de Nicolas Béudon sobre o uso do Design Thinking para o layout de bibliotecas.

 

 

Na verdade, para ver o mundo da cultura se encontrar com o do UX Design, é preciso antes olhar para o lado das empresas inovadoras que desenvolvem serviços culturais digitais. É o caso da empresa passar cultura para citar apenas um exemplo: criada em 2019 pelo governo francês para desenvolver o aplicativo mobile passe de cultura, as equipes da empresa utilizam a metodologia Design Thinking para projetar e melhorar suas interfaces.

UX E MEDIAÇÃO CULTURAL

Esse diálogo limitado entre UX design e instituições culturais parece paradoxal à primeira vista. Em primeiro lugar porque não faltam inovações digitais no setor cultural: o próprio Ministério da Cultura foi um dos primeiros ministérios a enxergar o potencial da informática na década de 1980. Hoje, o departamento digital da instituição até incentiva a criação de novas soluções para acesso à cultura através de meios digitais, nomeadamente graças ao concurso de projetos Serviços digitais inovadores.

Isto é tanto mais paradoxal quanto o design de ferramentas, especialmente as digitais, responde a um desejo essencial das instituições culturais de hoje, o de transmitir conhecimento e experiência de cultura ao maior número de pessoas possível, para diferentes tipos de público. Na verdade, o que se chama de mediação cultural está no cerne do projeto cultural destas instituições: partindo da ideia de que a cultura é de todos mas que não é naturalmente acessível ao público, os instrumentos de mediação permitem fazer a ligação entre o público e a cultura, garantir essa cultura é compartilhada. 

Esta mediação pode assumir várias formas: falamos de mediação escrita para um painel explicativo em uma exposição, mediação oral para uma visita guiada, ou mediação digital para todas as interfaces presentes nos espaços de um museu por exemplo. Além disso, é papel da mediação cultural, e mais amplamente das instituições culturais, projetar dispositivos de mediação, especialmente os digitais. A Oficina das Luzes em Paris é um exemplo emblemático de mediação sensorial usando tecnologia digital para compartilhar uma experiência sensível de obras de arte.

 

 

Além disso, não faltam pontos em comum entre UX design e mediação cultural...

  • Se o UX design está interessado nos utilizadores, a mediação cultural está interessada nas audiências: os numerosos estudos de audiência realizados por instituições culturais, e em particular museus, testemunham-no, assim como o surgimento de profissões relacionadas. (responsável pela mediação cultural, guia-leitor, responsável pela formação de público, responsável pela educação artística e cultural, etc.).
  • Então, se o UX design está interessado na experiência dos usuários, é de fato objetivo da mediação cultural criar uma experiência de cultura, seja intelectual e/ou emocional. Os próprios museus já integraram bem esta noção de experiência do ponto de vista do marketing, pensando tanto na experiência durante a visita, mas também na experiência antes da visita (com a disponibilização de conteúdos culturais num website, por exemplo) e após a visita (com a compra de produtos derivados na loja online por exemplo).
  • Além disso, da mesma forma que os profissionais da cultura sabem que não basta abrir as portas de um museu para que o público vá até lá e navegue pelos espaços expositivos, os designers sabem que não basta dispor os conteúdos aleatoriamente em uma interface para os usuários para ser capaz de navegar dentro de um sistema e atingir seus objetivos. Em ambos os casos, o usuário ou público precisa ser acompanhado em sua experiência.
  • O UX design e a mediação cultural estão, portanto, muito próximos, podendo mesmo considerar-se o UX design, no contexto da cultura, como um tipo de mediação cultural a que poderíamos chamar mediação experiencial. O UX design seria assim designado como um intermediário digital entre o público e a cultura na medida em que o UX participa, da mesma forma que outros tipos de mediação, na conceção da experiência de conteúdos culturais vivenciados pelo público.

RAZÕES PARA UM DIÁLOGO LIMITADO ENTRE UX E CULTURA

Se as instituições culturais fizeram em grande parte sua transição digital e UX e mediação cultural podem ter muitos pontos em comum como acabamos de ver, por que o UX Design está lutando para empurrar as portas das instituições culturais? 

Em primeiro lugar, porque a vontade de transmitir e partilhar a cultura com o maior número de pessoas parece ser um objetivo em si mais importante para os atores culturais do que o objetivo de construir uma transmissão adaptada a diferentes públicos. Os atores culturais parecem, no contexto digital, trabalhar mais na integração dos conteúdos de que são titulares, nos sistemas que querem implementar, do que trabalhar nas expectativas do público e na forma como estas poderão orientar a editorialização de conteúdo e, de forma mais geral, o design de interfaces.

Consequentemente, a metodologia para projetar dispositivos digitais não é a mesma no contexto das instituições culturais e no UX Design. Quando as instituições culturais recorrerem a prestadores de serviços externos para os dispositivos digitais que pretendem instalar, fornecerão especificações com uma lista de funcionalidades e não se perguntarão a quem se destinam essas funcionalidades, a que necessidades precisas respondem e se os utilizadores ficarão satisfeitos com sua experiência digital e sua experiência cultural, ambas intimamente ligadas.

 

 

Às vezes acontece de instituições culturais criarem oficinas de Design Thinking, mas esse tipo de oficina geralmente é considerado um fim em si mesmo, conforme explicado Alexia Jacques Casanova, como pretexto para realizar e promover um evento pontual, enquanto o Design Thinking exige um trabalho de longo prazo que estimule a criatividade.

Se o UX Design procura ir ao encontro de uma necessidade identificada, a mediação cultural fica confinada a uma necessidade global do utilizador que decorre da política das instituições culturais de querer partilhar a cultura através de diferentes ferramentas de mediação para que os públicos aprendam e sintam emoções. Neste contexto, é sem dúvida a cultura do design, e mais amplamente as questões digitais, que falta hoje integrar nas instituições culturais e mais particularmente nos órgãos de gestão e decisão. 

É ainda necessário que museus, teatros ou bibliotecas também tenham orçamentos para destinar a este tipo de serviço, o que se afigura complicado numa altura de restrições orçamentais que afetam o setor cultural. 

Deve-se notar também que, historicamente, a TI tem sido mais frequentemente terceirizada para instituições culturais por ser considerada um suporte para as atividades principais, o que sem dúvida tem impedido o desenvolvimento de uma cultura digital também nas práticas dos funcionários dessas instituições. .

Para usar o título de um artigo publicado por Les Décodeurs Associés, rede de pessoas especializadas em mediação cultural digital, "É hora de passar para o UX Design". Mas como fazer isso ?

LE DESIGN THINKING E MEDIAÇÃO

Se até agora conseguimos demonstrar a necessidade de integrar as metodologias do UX Design e de forma mais geral do Design Thinking dentro do setor cultural, vejamos agora como fazê-lo concretamente. Tentaremos partilhar aqui algumas ideias para todos os atores culturais, para que comecem a imaginar as possibilidades oferecidas pelo UX Design na conceção e melhoria dos seus dispositivos digitais.

Recordemos, em primeiro lugar, que o Design Thinking corresponde a um método, a um processo de inovação, a uma abordagem de cocriação que permite recorrer à inteligência colectiva para conceber produtos ou serviços inovadores, com base em necessidades reais. Essa ampla definição nos mostra que o Design Thinking pode ser utilizado em diversos contextos, para resolver diversos tipos de problemas. 

Para o museu, pode servir por exemplo para conceber a circulação de visitas num espaço expositivo, desenvolver todos os suportes de mediação escrita e oral (painel explicativo, visita guiada, sinalética, atividades, etc.), implementar colocar serviços específicos (uma bilheteira, uma loja, um espaço para as casas de banho, etc.), ou para outras questões como a gestão da fila à entrada do museu, ou a conceção de serviços digitais.

 

Esperando pacientemente

Ao mesmo tempo que o Design Thinking é uma oportunidade de desenvolver serviços junto aos próprios usuários, a quem esses serviços se destinam, é também uma forma efetiva de solicitar a expertise dos diversos profissionais da organização em que o design é realizado. É organizando o confronto dos pontos de vista de cada um que se supera o efeito do trabalho em “silos” e se geram as melhores ideias.

No contexto do museu, trata-se, portanto, de desenhar interfaces digitais a partir das necessidades identificadas junto do público, mas também com a ajuda dos muitos especialistas que podem ser encontrados numa instituição deste tipo: responsáveis ​​de marketing e comunicação, mas também curadores , restauradores, curadores de exposições, gestores de programação, mediadores culturais, etc. 

O conhecimento das obras detido pelo curador ou curador, que é tradicionalmente a autoridade no espaço museológico, deixa então de ser considerado como um fim em si mesmo: numa perspetiva mais horizontal, trata-se mais de um dos recursos disponibilizados para desenvolver serviços adaptados ao público, da mesma forma que o conhecimento de todos os outros especialistas.

 

As 5 etapas do Design Thinking

Por outro lado, na prática, a metodologia do Design Thinking é caracterizada por 5 grandes passos a serem seguidos para a concepção ou aprimoramento de inovações. 

O primeiro passo é observar o mundo, fazer perguntas, entender o raciocínio, os sentimentos e as emoções dos indivíduos, observar seu comportamento, entender sua experiência com um produto ou serviço. Nada mais simples para a instituição museológica, que tem a sorte de estar em contacto direto e permanente com os seus públicos, entre os quais será necessário identificar os diferentes alvos. Porque mesmo que a ambição do museu seja atender ao maior número, o museu acolhe perfis específicos de visitantes aos quais é necessário dar satisfação.

Para fazer isso, conheça seu público, faça com que preencham questionários, faça perguntas sobre o que pensam, o que sentem, como pensam, seus objetivos e expectativas, suas possíveis frustrações . Observe seu comportamento em relação aos serviços oferecidos e em especial as interfaces digitais. Não hesite em consultar os muitos estudos já online sobre o assunto que lhe interessa, no feedback.

Este primeiro passo será também uma oportunidade para identificar o perfil do visitante que lhe interessa e a quem se destina o produto ou serviço que pretende montar: crianças, adolescentes, neófitos, especialistas, turistas, pessoas em situação de deficiência… Este trabalho permitir-lhe-á evitar estereótipos e consequentemente criar serviços que se destinem “ao maior número”, ou seja, a ninguém.

A segunda etapa da metodologia Design Thinking, que decorre da primeira, permite que você defina com precisão o(s) problema(s) e frustrações entre seus públicos que você conseguiu observar. A massa de informações coletadas durante a primeira etapa permitirá que você analise com precisão o problema a ser resolvido, para então encontrar a solução adequada. A esse respeito, Albert Einstein disse: "Se eu tivesse uma hora para resolver um problema do qual minha vida dependesse, passaria os primeiros 55 minutos procurando a melhor pergunta para me fazer e, quando a encontrasse, faria apenas 5 minutos para respondê-la.

A terceira etapa consiste em gerar o maior número possível de ideias e identificar as ideias mais interessantes para resolver o problema encontrado na etapa anterior. Desta forma, quando você melhorar a interface de um de seus dispositivos digitais, não será apenas uma questão de adicionar uma funcionalidade que lhe pareça interessante, mas de adicionar uma funcionalidade que atenda a uma real necessidade de seu público. Para isso, organize oficinas de brainstorming com seu público, mas também com seus colegas: os pontos de vista de todos só podem facilitar a geração de ideias relevantes. 

Se o UX Designer for formado para organizar este tipo de workshop, os mediadores e responsáveis ​​pelo público dentro dos museus serão os mais aptos a organizar o encontro dos vários especialistas, para pensar ao mesmo tempo na satisfação do público equipas integradas ao projecto na concepção de serviços mas também à satisfação do público. A esse respeito, o próprio grande especialista em museus, François Mairesse, fez essa pergunta em março de 2020 durante uma entrevista : “Ao implantar ferramentas como o cenário de uso, o tempo como material, a contextualização dos dispositivos, não haveria um perfil designer-mediador a construir? ".

A quarta e a quinta etapa consiste em fazer um protótipo do produto que você deseja implementar e testá-lo. Além disso, se você deseja contratar uma empresa externa para criar suas interfaces, não peça simplesmente a implementação de funcionalidades dentro do produto, peça também a organização de testes que possam validar ou não a pertinência do seu produto e você permite que ele seja melhorado rapidamente. Isso evitará que você crie um produto que não seja satisfatório para seus públicos e que nos obriguemos a manter no espaço do museu para legitimar os custos que ele requisitou. Em outras palavras, não hesite em integrar o teste de seus produtos em seu orçamento. Alguns visitantes bem identificados serão suficientes para lhe dar uma ideia dos elementos a melhorar nas suas interfaces.

 

Conclusão

Como você deve ter percebido, os métodos de Design Thinking e UX Design têm muito a oferecer ao setor cultural. E numa altura de concorrência cada vez maior entre as instituições culturais e da necessidade destas redobrarem os esforços para angariar e fidelizar audiências, o UX pode ser encarado como uma solução com elevado valor acrescentado para marcar a diferença. 

O museu em particular parece ser um terreno fértil para a utilização deste tipo de método, que promove a transversalidade, a inclusão e a criação de experiências inovadoras. o nova definição do museu desenvolvido pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) no verão de 2022 atesta isso: um lugar “aberto ao público, acessível e inclusivo, incentiva a diversidade e a sustentabilidade. Os museus funcionam [...] com a participação de diversas comunidades. Eles oferecem aos seus públicos experiências variadas de educação, entretenimento, reflexão e compartilhamento de conhecimento”. 

 

 

Clément SERAIN, UX Designer @UX-Republic


 


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